sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Você sabe o que é um B.S.K.?



B.S.K. é a sigla para a expressão Basic Survival Kit, literalmente Kit Básico de Sobrevivência. Também conhecido como Basic Emergency Kit (Kit Básico de Emergência), esse tipo de "equipamento" é uma mistura de kit de primeiros socorros com outros pequenos objetos que possam ser úteis em situações variadas de crise, desde um acidente simples até ficar perdido em um lugar inóspito.

Ao contrário dos kits maiores, o Basic é projetado para ser EXTREMAMENTE portátil, cabendo facilmente em uma mochila, porta-luvas do carro e até no bolso.

Em alguns países, como nos Estados Unidos, é fácil encontrar kits deste tipo para comprar em lojas de esportes ou lojas de departamento como Walmart. Mas também é possível montar um facilmente, usando objetos banais e improvisados.


O famoso aventureiro e apresentador Bear Grylls tem seus próprios modelos de Kit de Sobrevivência


Tudo cabe comodamente dentro de um portátil estojo de óculos


Tecido - Útil para cobrir ferimentos.

Corda de nylon - Leve e resistente, é usada para amarrações em geral, inclusive de talas de imobilização.

Álcool - Para limpar machucados ou ajudar a acender fogo.

Caixa de fósforos - Para acender fogo. É importante estar embalada em plástico.

Algodão - Usar embebido em álcool tanto para limpar machucados quanto para ajudar a acender o fogo. Guardei dentro de uma caixinha de plástico e embrulhei em plástico transparente.

Elásticos - Para amarrações simples.

Agulha e linha - Para costurar coisas em geral, possivelmente até pele.

Hastes flexíveis - Para enrolar algodão e tornar mais fácil de limpar pequenos machucados.

Pinça - Para arrancar farpas (e tirar o algodão mais facilmente da caixinha).

Apito - Para sinalizar e chamar atenção à distância.

Faca dobrável - A faca é a ferramenta mais útil e versátil já criada pelo homem.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Dicas para convencer alguém a jogar RPG



Antes de mais nada, gostaria de deixar claro que não me considero um especialista em atrair pessoas ao hobby. Na verdade, eu mesmo não jogo RPG há um bom tempo, por falta de grupo. Mas eu já vi outras pessoas cometerem erros tão básicos ao tentar angariar novos jogadores que acho válido escrever um texto sobre o assunto.

É importante notar que estou considerando que os possíveis candidatos a RPGistas não são gamers. Com gamers, a abordagem seria diferente e os problemas, outros. Pretendo escrever um post sobre o assunto, eventualmente.

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1. Escolha o sistema certo. A melhor maneira de desmotivar um principiante é dizer que ele precisa ler um livro de trezentas páginas e preencher uma planilha complexa antes mesmo de começar a jogar. Eleja um sistema básico como 3d&t ou crie um ainda mais simples, para o candidato se familiarizar com a mecânica antes de partir para algo mais rebuscado. Pergunte que tipo de personagem a pessoa quer, monte a ficha para ele e depois explique as coisas.


2. Explique direito o que vocês vão fazer. Pode parecer um conselho idiota, mas muitos rpgistas estão tão imersos nesse hobby que se esquecem que a maioria das pessoas nem sabe direito o que é RPG. Já vi gente chegando na mesa de jogo ainda com dúvidas como "O que eu tenho que fazer?" ou "Como se ganha esse jogo?". Se não souber como explicar a alguém o que RPG, pode mostrar esse texto aqui.


3. Apele para a interpretação e contação de histórias. Nem todo mundo gosta de jogos de estratégias e cálculos matemáticos, mas todo mundo já brincou de algum tipo de faz-de-conta quando criança. Adultos também mantém contato com a contação de histórias através de livros, filmes, séries, novelas. Até a fofoca não deixa de ser uma forma de contar histórias.


4. Apele para a interatividade com a história. Todo mundo já se imaginou dentro de um filme ou livro, seja interagindo com os personagens ou tomando decisões diferentes das deles, tentando prever o que aconteceria. No RPG, é exatamente isso que você faz! Se argumentada da maneira certa, esta pode ser a chave para convencer qualquer um a dar uma chance ao hobby.

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Agora é só colocar as dicas em prática e sair por aí catequizando novos jogadores de RPG. Ou tentando.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Seriam os hobbits os mais sábios?



O post de hoje é fora do comum. Não costumo escrever textos de recomendações, como resultado secundário da minha política anti-kibagem: não publico material que não tenha sido produzido por mim.

Resolvi abrir uma exceção porque o livro sobre o qual eu vou falar poderia passar muito facilmente como uma publicação oportunista, que se aproveitou do renovado hype tolkeniano gerado pela trilogia O Hobbit no cinema (momento auto-jabá: meu post sobre A Desolação de Smaug aqui). Não deixa de ser o caso, de certa forma, e eu o comprei nessa situação.

Mas o livro é muito bom, então não quero que o preconceito impeça as pessoas de lerem.

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O livro se chama A Sabedoria do Condado - tudo sobre o estilo de vida dos hobbits para uma vida longa e feliz, foi escrito pelo produtor e roteirista estadunidense Noble Smith e publicado no Brasil pela editora Novo Conceito. Como sugere o nome, ele lembra um livro de auto-ajuda (gênero que eu costumo odiar).

Para entender por que eu considero o livro valioso, temos que começar entendendo um pouco  o próprio JRR Tolkien (momento adequado para meu segundo auto-jabá: post sobre Tolkien aqui):

Por mais que Tolkien admirasse os imponentes Cavaleiros, Elfos, Anões e demais povos grandiosos inspirados na mitologia, ele já declarou em cartas que os Hobbits eram os que mais se aproximavam de sua visão de povo ideal. Os Pequenos são marcados por todas as características que seu criador admirava: simplicidade, amor pela natureza, desapego material, honestidade.

Assim, A Sabedoria do Condado pode se revelar um bom meio para quem quer começar a entender Tolkien e estudar sua obra. Melhor ainda para quem se propuser a seguir as dicas do livro e mudar de verdade seu modo de vida; é o impacto que Tolkien gostaria que sua obra causasse nas pessoas. Em menor escala, o livro é essencial para quem quiser jogar RPG com um personagem hobbit.

Nota: O livro é formado por apenas 20 capítulos razoavelmente curtos (excetuando Introdução e afins). Recomendo fazer como eu fiz: ler apenas um capítulo por dia (de preferência ao acordar), para poder absorvê-lo calma e completamente antes de passar para o próximo. E para fazer o livro durar o máximo possível, porque a experiência de leitura é maravilhosamente leve e agradável.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Por que Fantasia?



Como alguém que tem a literatura fantástica como gênero favorito (seja para ler ou para escrever), eu já tive que escutar diversas vezes aquela clássica pergunta "mas por que você gosta desses negócios com magia?" 

Me incomoda um pouco saber que a compreensão da maioria das pessoas sobre fantasia se resuma a "negócios com magia". Então me propus a discutir um pouco sobre o que diabos é Literatura Fantástica; sempre segundo minha opinião pessoal, claro.

Primeiramente, eu quero deixar claro que existem (no mínimo) duas maneiras de rotular uma obra como fantasia ou não. Do ponto de vista de gênero, o rótulo funciona mais ou menos como uma cultura (leia aqui meu post sobre Cultura): é literatura de fantasia qualquer obra que as pessoas concordarem coletivamente em chamar de literatura de fantasia. Simples assim.

Meu objetivo neste texto é um pouco diferente: identificar as características de uma retórica (estilo de argumentação) própria da literatura fantástica. Pra isso eu tomei como base estudos sobre a retórica mitológica, da qual a fantasia é a descendente mais próxima.


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Vou começar com a questão temática. Para compreender o que eu entendo por Tema, leia este texto aqui sobre as Três Camadas da narrativa.

Assim como os mitos antigos, as histórias de Fantasia costumam prezar por temas mais amplos e abstratos. Isso se deve diretamente ao seu característico afastamento da realidade e do realismo.

Enquanto a ficção política dá preferência aos temas sociológicos (Desigualdade, Discriminação, Autoridade, Repressão, Traição...) e a ficção intimista dá preferência a temas psicológicos (Loucura, auto-Descoberta, auto-Aceitação), a ficção fantástica costuma abordar temas filosóficos (Bem e Mal, Verdade, Superação, Amizade, Honra, Caráter, Beleza).

Temas com essa amplitude acabam gerando mensagens poderosas, que alcançam públicos variados e sobrevivem bem ao tempo. Não é à toa que ainda convivemos com mitos e fábulas de séculos de idade.

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Agora vou entrar um pouco na questão estrutural, portanto recomendo ler primeiro este post aqui sobre o Monomito.

Não é à toa que a Magia esteja tão associada à Fantasia; ela ocupa o papel de um elemento narrativo muito importante ao gênero. Diferentes escolas de estudo de narrativa e mitologia usam nomes diversos para este elemento: o Mágico, o Fantástico, o Metafísico, etc. Meu favorito é o utilizado pelos hagiógrafos (quem estuda narrativas de vidas e milagre de santos cristãos): o Maravilhoso. É este, portanto, o termo que usarei daqui para frente.

Primeiramente, ainda na etapa do mundo comum, o Maravilhoso atua tornando o protagonista especial de alguma forma que vai justificar toda a sua subsequente jornada apoteótica.

Logo em seguida ele tem a função de intensificar o abismo entre o mundo comum e o mundo especial. O próprio contato com o Maravilhoso marca o primeiro limiar que o protagonista deve cruzar antes de começar sua história.

Ele marca este limiar de uma forma muito específica, que justifica minha preferência de nome: maravilhando, literalmente, o espectador; causando nele a fascinação natural por explorar um novo mundo, com regras diferentes. São justamente essas regras que o protagonista explora e aprende durante a etapa dos testes, aliados e inimigos, até o ponto de transformar o Maravilhoso em algo comum, banal.

Ele volta a ter seu impacto dramático mais à frente, durante a provação. O Maravilhoso volta a ser misterioso e imprevisível ao quebrar todas as regras, permitindo ao protagonista derrotar um antagonista (ou Sombra) que havia sido apresentado originalmente como invencível. É esse tipo de "surpresa aguardada" que gera no espectador a sensação de clímax.

Esta revelação final também renova o interesse do espectador pelo Maravilhoso, mostrando que há novas camadas de compreensão a serem exploradas. Este é um dos segredos por trás das grandes franquias de fantasia e do amor que os leitores/espectadores desenvolvem pelo universo ficcional.

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Espero que, durante minha argumentação, tenham ficado evidentes os motivos pelos quais eu amo a Fantasia.

Espero mais ainda que as pessoas percebam que um gênero literário vai além da aparência do pano de fundo; que uma ficção fantástica pode se passar em naves espaciais, enquanto uma ficção política pode conter magia sem virar por causa disso uma obra de Fantasia.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

As três camadas de uma história



Existem diversos métodos para analisar uma história, seja ela um livro, filme, quadrinho ou qualquer outra coisa. Neste post vou falar um pouco sobre um dos que eu costumo utilizar, talvez o mais básico deles. Eu chamo de Método das Três Camadas.

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Lembra do ensino fundamental, quando você estudou que a célula se divide em membrana, citoplasma e núcleo? Ou que a Terra é formada por crosta, manto e núcleo? A metáfora é essa. Vamos começar a cavar a partir da superfície:


Primeira Camada

Esta é a camada da linguagem. Tem o objetivo de mostrar o conteúdo das outras ao leitor.

Em um livro, tem a ver com as palavras em si: a forma como o autor escreve, os nomes, os diálogos, as figuras de linguagem, descrições físicas de personagens, descrições dos ambientes. Em uma história em quadrinhos, inclui (além do texto) os desenhos, os balões de fala e o posicionamento dos quadros. Em um filme, engloba também os ângulos de câmera, a iluminação, sonoplastia e trilha sonora. 


Segunda Camada

A camada da estrutura. Tem o objetivo de construir a história em si.

Envolve o formato da narrativa, a trama, os eventos e acontecimentos, as personalidades e motivações dos personagens. A maioria das pessoas, ao analisar uma história, param nessa camada.


Terceira Camada

Finalmente, a camada do tema. É o mais importante, pode ser descrita como aquilo que o autor pretende expor ou discutir com sua obra.

O tema sempre deve ter algum nível de abstração. Podem ser mais sociológicos (como Desigualdade, Discriminação, Autoridade, Repressão), mais psicológicos (Loucura, auto-Descoberta, auto-Aceitação) ou mais filosóficos (Bem e Mal, Verdade, Superação, Amizade, Honra, Caráter, Beleza).

Vale lembrar que, embora cada história costume eleger um tema principal, elas também costumam abordar vários secundários, que podem inclusive pertencer a grupos distintos dentro da divisão supracitada.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A cultura humana e o monomito



De uns tempos pra cá, vem se popularizado o termo Jornada do Herói; e muitas pessoas têm se conscientizado da existência de um modelo recorrente de estrutura narrativa. Por ignorância, a maior parte destas pessoas costuma enxergar a estrutura como uma muleta, uma demonstração de falta de criatividade ou até mesmo como um mecanismo da poderosa indústria do entretenimento. Vou começar este texto tentando desfazer alguns desses mitos.

Em meu post anterior sobre Cultura (aqui), num momento eu falo sobre a teoria da existência de uma "cultura humana global", um substrato básico de conhecimento que todas as sociedades humanas compartilham. Seguindo mais ou menos nesta linha, o mitólogo estadunidense Joseph Campbell chegou à conclusão de que os mitos de todas as sociedades ao redor do mundo compartilham uma estrutura similar, uma série de etapas que foram gravadas no inconsciente humano ao longo de seus milhares de anos como caçadores-coletores primitivos.

Esta é a teoria do Monomito, e a sequência dessas etapas forma a chamada Jornada do Herói.

Isto significa que falta criatividade à espécie humana? Que a indústria do entretenimento se aproveita de uma velha fórmula para facilitar seu trabalho?

Nada disso. Se esta estrutura continua sendo usada, a razão é muito simples: ela apela à mente humana em um nível inconsciente, aproximando-nos da história que está sendo contada.

Mas a Jornada é apenas o arcabouço de uma casa: você pode colocar o que quiser ali dentro, disposto da maneira que desejar. Alguém que exige originalidade demais no formato das paredes pode estar se preocupando mais com forma que com conteúdo.

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Agora vou enumerar e explicar de forma bastante básica sobre cada uma das etapas da Jornada do Herói. Para se aprofundar mais, recomendo ler primeiro o livro A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler - por ser mais simples - e depois partir para O Herói de Mil Faces, do supracitado Joseph Campbell.

Nota: Escolhi as nomenclaturas usadas por Vogler (ao invés das usadas por Campbell) justamente por serem mais simples.


PRIMEIRO ATO

Mundo comum - O lugar onde o Herói (o protagonista, em geral) habita, conhece bem e toma como definição de normalidade. No entanto, é necessário que haja algo de errado nele, pois já nessa etapa é apresentada a Problemática, o problema que aflige o protagonista e que ele terá que resolver ao longo de sua jornada. O Herói também quase sempre é especial de algum forma, embora ele próprio não saiba.

Chamado à aventura - O Herói é "convidado" a abandonar seu mundo comum e embarcar na aventura. Este convite pode ser tentador (através de promessas de riquezas ou felicidade) ou ameaçador e inevitável (com o intuito de fugir de algum perigo que se aproxima).

Recusa do chamado - Por mais que o Herói esteja descontente com o mundo comum, ele sempre rejeita a aventura em um primeiro momento. Até o Harry Potter, que vivia embaixo de uma escada, hesitou antes de aceitar o convite de Hagrid. Isso tem a ver com a tendência humana de permanecer dentro de sua zona de conforto e normalidade, por mais insatisfatória que ela seja.

Encontro com o Mentor - O Herói só aceita embarcar na aventura quando se sente preparado o suficiente para ela, e o Mentor é a figura recorrente que se encarrega disso, por enxergar no Herói um potencial que ele próprio não vê. O Mentor pode acompanhar o Herói pelo resto da aventura ou ser uma espécie de "doador de presentes", que aparece nesse estágio e depois deixa o Herói por conta própria.

Travessia do primeiro limiar - O Herói efetivamente deixa para trás o Mundo Comum e embarca no Mundo Especial. A partir daqui é que a aventura começa pra valer.


SEGUNDO ATO

Testes, aliados e inimigos -  Esta etapa costuma ocupar um grande pedaço da narrativa. Aqui o Herói começa a aprender as regras do Mundo Especial e a definir quem são seus aliados e seus inimigos (daí o nome). Narrativamente falando, é preparado o terreno para a posterior resolução da Problemática e também podem ser desenvolvidas tramas secundárias.

Aproximação da caverna oculta - Já mais experiente, o Herói deixa para trás os desafios secundários e se aproxima do verdadeiro vilão da história, uma figura conhecida como Sombra. A Sombra deve ser parecida com o Herói de alguma forma, e ao mesmo tempo essencialmente oposta. Ao ponto que os inimigos comuns podem ser rasos, o grande vilão deve ter um passado e uma motivação muito bem construídos.

Provação - Este é o momento central da história, a grande crise. Em histórias onde há a presença do humor, ele normalmente desaparece nesta etapa. O Herói finalmente confronta a Sombra pela primeira vez. No entanto, para que a história tenha a tensão necessária, é preciso que o antagonista seja muito mais poderoso que o protagonista; que seja virtualmente invencível. Assim, o Herói quase morre e passa por uma morte simbólica, escapando por pouco. Como diz o ditado, às vezes as coisas precisam piorar antes de melhorar.

Recompensa - Ao escapar da Sombra, o Herói leva algo consigo; pode ser algo físico ou apenas algum aprendizado, algo que o faz ter maior consciência de si mesmo. Ao renascer, ele passar por algo chamado Apoteose - literalmente transformação em deus - que o transforma de forma dramática. Só agora ele possui capacidade de derrotar o antagonista antes invencível, em uma espécie de deus ex machina.

(Nota: Deus ex machina é uma expressão latina que tem origem na tragédia grega e significa literalmente deus surgido da máquina. Se refere a algum mecanismo improvável utilizado pelo narrador para tirar o protagonista de uma situação apresentada inicialmente como imbatível)


TERCEIRO ATO

Caminho de volta - Agora o Herói precisa retornar ao Mundo Comum, mas não é tão simples. Ele pode ter entrado fundo demais no covil do vilão, de onde é difícil escapar. Ou pode apenas ser tentado a ficar no Mundo Especial, com medo de enfrentar o problema que havia deixado para trás lá no início. De uma forma ou de outra, é o momento em que o Herói deve se decidir por atravessar novamente o limiar.

Ressurreição - Ao voltar ao Mundo Comum, é como se o Herói houvesse ressuscitado. Este é o momento de ele rever ou pôr em prática tudo o que ele aprendeu com sua jornada e suas provações. Pode ser o verdadeiro clímax da história.

Retorno com o elixir - No início, o Mundo Comum era incompleto de alguma forma (por causa da Problemática, lembra)? Agora, com o aprendizado que trás de sua jornada, o Herói é capaz de corrigir isso e finalmente descansar, sentindo-se pleno.

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De forma bastante resumida, estas são as etapas. Mas lembre-se que elas são razoavelmente flexíveis quanto ao que representam pra história, e algumas podem até aparecer em ordens trocadas.

Agora faça o dever de casa: tente identificar estes padrões em alguns livros ou filmes, especialmente de fantasia ou ficção.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Nerd ou Geek? Tem diferença?



Primeiramente, quero deixar claro que estas NÃO são as definições "corretas" (que não existem) nem as mais populares para estes dois termos. Na verdade, parece que cada um usa eles da forma que bem entende, portanto eu decidi explicitar aqui a minha.

Faço isso porque, de uns tempos pra cá, parece que ser nerd/geek virou moda; ao menos entre a galerinha da internet que se acha o centro do mundo. Será que as pessoas mudaram, ou é tudo uma questão de nomenclatura?

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Vamos lá à minha definição:

Geek é uma cultura (lembrando que eu já expliquei aqui o que eu entendo por cultura) moderna, adotada principalmente pelos jovens de classes média e alta das grandes metrópoles e propagada em grande parte pela internet. Está diretamente relacionada ao consumo frenético de produtos da indústria do entretenimento (filmes, séries, quadrinhos,  games, animações), ao interesse por tecnologia e a uma maior interação social através de meios virtuais que reais. Sendo uma cultura, desenvolveu sua própria linguagem e modo de se vestir.

Nerd é um padrão psicológico ou de comportamento centralizado na curiosidade, caracterizado por um interesse em acumular conhecimento nas mais variadas áreas. Devido a esse interesse, os nerds costumam preferir desempenhar atividades mais educativas, que não atraem o interesse da maior parte das pessoas e, portanto, tornam-os um pouco introvertidos. É importante para um nerd se interessar por assuntos variados; uma pessoa que conheça muito, mas de apenas uma área, é um especialista, não um nerd.

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É possível exemplificar a diferença a partir de dois dos maiores podcasts da internet brasileira (e pra evitar qualquer mal entendido, que fique claro que gosto de ambos): o Nerdcast e o Matando Robôs Gigantes.

O MRG é um podcast mais geek. Seus assuntos são obras da indústria do entretenimento (Cinema, Games e HQ, também com eventuais episódios de Livros), normalmente de interesse da cultura geek. Sua abordagem, com programas mais curtos, é voltada à opinião e ao humor, com pouca exposição de conhecimento.

O Nerdcast, fazendo jus ao nome, é um podcast nerd. Aborda os mais variados assuntos; de Bebedeira à Física Quântica, de Dia dos Namorados à Mitologia Grega. Sua abordagem, com programas mais longos e a presença de especialistas (quando necessário), possui uma grande dose de exposição de conhecimento. Mas também é preciso destacar que o Nerdcast também dedica grande parte de sua atenção à cultura geek.

Nota: Se você é desses que - ao sair um Nerdcast novo - reclama que "esse não é um assunto nerd", já deve ter reparado que você é geek, não nerd. Segundo a minha definição, claro.

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Tendo em mente essas duas definições, minha teoria é a seguinte: é a cultura geek que se difundiu e se tornou pop. O comportamento nerd continua sendo minoritário.


PS: É interessante notar que a cultura geek tem raízes nos anos 80, e só ganhou força na década de 2000. O comportamento nerd, por outro lado, sempre existiu; é possível identificá-lo até em figuras históricas antigas.

A complexa e simples definição de Cultura



Assim como todo curso de Filosofia começa com a clássica pergunta "O que é Filosofia?", todo curso de Antropologia começa com a questão "O que é Cultura?". Quando eu cursei esta disciplina na faculdade, nós gastamos a maior parte do período tentando chegar a esta definição. A resposta, como é comum nas Ciências Humanas, foi subjetiva e inconclusiva.

Embora seja difícil chegar a uma resposta universal, todo mundo que estuda ou pensa sobre cultura acaba tendo uma definição própria, pessoal. O objetivo deste post é explicitar um pouco da minha própria, para que meus textos futuros possam ser melhor compreendidos. Minha definição de cultura segue em uma linha próxima à do antropólogo estadunidense Clifford Geertz em seu livro A Interpretação das Culturas, mas não pretendo aqui resumir nem resenhar o trabalho dele.

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Primeiro, é preciso entender o que são significantes. Palavras, gestos, cores, formas, rituais, objetos; significantes são qualquer coisa a qual se possa atribuir um significado. Ou seja, tudo.

Com o objetivo de conviver de forma fácil e eficiente, toda sociedade (em sua definição mais simples, um grupo de pessoas) desenvolve um sistema para que todos os membros atribuam os mesmos significados aos mesmos significantes. A grande metáfora aqui é justamente o elemento cultural mais primordial: a linguagem. Para um grupo de pessoas se entender, é necessário que todos atribuam os mesmos significados às mesmas palavras.

Esse sistema é a Cultura. Definindo de forma sucinta, teríamos:

Cultura é um sistema de significados socialmente criado e estabelecido.

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A partir daí, podemos refletir um pouco a respeito da natureza das culturas. Vamos pegar eu mesmo de exemplo:

Eu sou brasileiro, logo compartilho com os demais brasileiros todo um sistema de significados que pode ser chamado Cultura Brasileira. Também compartilho um outro sistema de significados apenas com quem vive na mesma cidade que eu, então também posso me encaixar em uma Cultura Carioca. Indo na direção oposta, compartilho um sistema de significado com todo o chamado mundo ocidental, portanto adicione aí na lista uma Cultura Ocidental.

Já pudemos notar que um indivíduo não está preso a apenas uma cultura de cada vez, e que elas podem ter dimensões variadas.

Mas a cultura não está ligada apenas à questão espacial. Eu sou um grande fã de animes (animações japonesas), com um razoável conhecimento sobre o assunto. Então existe aí um sistema de significados que eu não compartilho com meu vizinho, mas compartilho com um monte de pessoas espalhadas ao redor do mundo.

Ou seja, as culturas não funcionam como conjuntos que se encaixam um dentro do outro, mas como tags, etiquetas que você acumula na quantidade que quiser.

Quando o significado que você atribui a alguma coisa é diferente do de outra pessoa, temos o chamado choque cultural, muito comum entre sociedades que se desenvolveram distantes umas das outras. No entanto, alguns especialistas sugerem que o ser humano, por ser uma só espécie, compartilha alguns conceitos com todos os seus similares no planeta terra. Seriam noções básicas, como vida, morte, luz, escuro, água, alimento, movimento. Seria uma espécie de cultura humana básica.

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Espero que tenha ficado claro e fácil de entender. Note que minha definição de Cultura não passa por qualquer juízo de qualidade.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Mais um pouco sobre a temporada Inverno 2014 de animes




Há alguns dias já dei minha opinião sobre algumas das estreias da atual temporada de animes. Se ainda não viu, veja. Esta é a parte 2, e imagino que seja o final.

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Noragami


Na fronteira entre este mundo e outro, lá vivem oito milhões de deuses, espíritos dos mortos que servem os deuses e outros espíritos diversos que ajudam e se intrometem nos assuntos dos humanos. Uma doce garota chamada Hiyori Iki tem sofrido assédio de seus colegas de classe e vai para o banheiro sozinha a chorar. Rabiscado na parede do banheiro há um número de telefone e a mensagem: “Eu resolvo seus problemas”. Após Hiyori ligar para o número, ela encontra um menino de rua vestindo uma camisa chamando ele próprio de deus. O menino, chamado Yato, é áspero, mal-humorado, preguiçoso e nunca ouve a vontade de ninguém, mas ele tinha o poder de ser um deus que ninguém sabia.

O anime já começa chamando atenção pelo visual: traço lindo, identidade própria e um excelente uso das cores, com um contraste entre tons escuros e tons chamativos. Mas ele vai além. A direção é excelente, com ângulos de câmera que fogem do óbvio favorecendo a narrativa e alterações de ritmo que fazem o tom do anime flutuar entre tensão e humor. Pra fechar com chave de ouro, os personagens são extremamente carismáticos e conquistam rapidamente. Este anime foi a grande surpresa da temporada: não esperava nada dele, tanto que foi o último que decidi assistir, mas está se provando um dos melhores.

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Buddy Complex


A história vai girar em torno da amizade e amadurecimento de dois meninos. Ela começa com Aoba Watase, um menino que vai para a escola em Tóquio e vive uma vida diária sem preocupações. Na cerimônia de abertura de sua escola depois das férias de verão ele vai para o campus, como de costume, mas tem um encontro casual com outro rapaz. O nome do outro garoto é Jyunyou Dio Weinberg. O encontro irá em breve alterar o destino do mundo.

Não estava esperando muita coisa desse anime, mas o primeiro episódio foi muito empolgante. Com um ritmo bem acertado, deu tempo de desenvolver um pouco os personagens e me fazer me importar com eles antes de começar a ação. Essa por si só é bem acertada: sucinta e carregada de carga emocional. A arte é muito bonita, apesar de não trazer nada de novo. Os robôs, por outro lado, são feios, mas não a ponto de comprometer.

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Nisekoi


Raku Ichijou é um estudante de ensino médio padrão. Ele também passa a ser o único herdeiro do chefe de uma família Yakuza chamada Shuei-gumi. Dez anos atrás, Raku fez uma promessa secreta com uma garota que ele conheceu. Eles prometeram um ao outro que vão se “casar quando se reencontrarem.” Desde então, Raku nunca soltou o pingente que a garota lhe deu. Um dia, uma bela garota chamada Chitoge Kirisaki, transfere-se para a turma de Raku. A partir daí não há um momento em que eles não estejam brigando. Mas por um rumo estranho de eventos, Raku e Chitoge concordam em se tornar falsos namorados. Embora seu coração esteja realmente interessado em sua colega Kosaki Onodera, Raku deve continuar fingindo ser namorado de Chitoge.

Apesar do ritmo um pouco acelerado que pode causar desconforto, a identidade visual muito bonita compensa. O enredo em si é interessante, e os personagens - apesar de ainda não terem sido aprofundados - têm carisma. Vale a pena para quem gosta do gênero.

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D-Frag!


Kazama Kenji gosta de acreditar que ele é uma espécie de delinquente. Além disso, outros parecem gostar de concordar que ele é. Claro, a gangue de Kenji encontra em seu caminho um grupo de quatro garotas não-tão-normais – Chitose, Sakura, Minami e Roka- e de uma vez qualquer que seja a reputação que ele tivesse não é nada comparado com o comportamento escandaloso das meninas. Obrigado a entrar no clube delas, o que vai acontecer com sua vida a partir de agora?

A proposta inicial do protagonista se achar um delinquente é interessante, mas não foi explorada no primeiro episódio. Espero que seja mais à frente, porque adoro animes de delinquentes. Animes sobre chunnibyou (jovens que vivem num mundo de fantasia, no caso as garotas), por outro lado, caem sempre no risco de ser tornarem bobos. A verdade é que o primeiro episódio foi legal, mas não dá pra prever muito bem o rumo do resto da série.

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Hamatora The Animation


"Minimum" – um poder inato especial encontrado em um número limitado de seres humanos conhecidos como “Detentores de Minimum.” Em Yokohama, a equipe de detetives Hamatora, formada por dois Detentores de Minimum chamados Nice e Murasaki, vem através de informações ligadas a um assassino em série que está sendo perseguido por seu velho amigo Art. No entanto, acontece que todas as vítimas são Detentores de Minimum como eles.

Um genérico de anime cool, com personagens extremamente clichê, um poder místico completamente genérico e uma animação BEM porca. Pra não falar só mal, o enredo do primeiro episódio até foi interessante, a maneira como vários casos paralelos acabaram se entrelaçando em um só.

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Wizard Barristers


A história se passa em Tóquio, no ano de 2018, onde os seres humanos normais e aqueles que podem usar magia coexistem. Como resultado, existem leis contra o uso de magia e também um “tribunal magia” para presidir ações judiciais a respeito do uso de magia. Nestes casos, “Benmashi” ou bruxos advogados defendem aqueles que usam magia. O anime segue Cecil, o Benmashi mais jovem da história, e seus associados enquanto eles defendem seus clientes nestes casos.

Se eu tivesse que definir esse anime com uma palavra, ela seria prepotente. Ele tenta criar um mundo próprio, mas que tem regras mal definidas e que na prática não acrescenta nada ao enredo. A arte é bonita, mas exagera nas cores, detalhes e "estranhices" em personagens que deveriam ser sérios (afinal, são advogados!). A animação tenta ser grande, mas o resultado final é só incômodo. A protagonista é um pé no saco, uma espécie de idol kawai moe que em nenhum momento convence como advogada. Não consegui assistir até o final.

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No-Rin

Essa deveria ser uma professora ¬¬'

Quando a Idol nacional Kusakabe Yuka de uma hora para outra se aposenta ela chocou o mundo e devastou o adolescente Hata Kosaku. Kosaku era o maior fã de Yuka e sua partida o deixou deprimido. Seus colegas de classe na escola agrícola Tamo finalmente conseguem convence-lo a sair de seu quarto e assistir a sua aula, mas para espanto de todos, Kusakabe Yuka (seu nome artístico) vem para a classe com o nome Kinoshita Ringo como uma aluna transferida. Kosaku percebe que ele tem uma oportunidade única de conhecer pessoalmente a sua garota dos sonhos e, juntamente com seu grupo de amigos, tenta descobrir por que ela está aqui e tornar-se mais do que apenas colegas de classe.

Arg, esse é realmente terrível. Falta coerência, os personagens são chatos e sem um pingo de carisma, o enredo aponta em uma direção terrível e as partes técnicas são genéricas e mal executadas. Até o ecchi é sem sentido e mal encaixado: a professora (indistinguível de uma aluna das mais retardadas) do nada começa a contar aos alunos como ela, pelada, se lambuzou de creme e tirou fotos de perna aberta em frente ao espelho. Sim, tem imagem! Tem até aluna que leva uma vaca pra dentro da sala de aula, algo que tenta passar por comédia, mas não tem um pingo de graça. Terrível, não consegui assistir até o final.

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sábado, 11 de janeiro de 2014

Caveleiros, Cowboys e Sobreviventes



A proposta deste texto é bem simples. Eu identifiquei três tipos de cenários que se repetem com frequência em mídias diversas (livros, filmes, videogames) e enumerei alguns elementos em comum entre eles. Minha ideia é entender por que esses cenários possuem tanto apelo ao público (principalmente o auto-intitulado nerd/geek) e por que são terrenos tão férteis para o desenvolvimento de narrativas (e isso inclui campanhas de RPG).

Os cenários escolhidos por mim foram a Europa Feudal (que pode ser fantástica ou não), o Velho Oeste Americano e o Mundo Pós-Apocalíptico (dentro deste último, o mais popular atualmente é o Apocalipse Zumbi, por isso vou me focar nele). As características enumeradas abaixo podem se aplicar a outras ambientações; estas três foram elegidas por serem minhas favoritas pessoais.

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1. Espaço

Costumamos ver jornadas através de amplos espaços rurais (no caso do Pós-Apocalipse, são comuns antigos espaços urbanos abandonados), com pouco traço de civilização e fronteiras incertas. 

- Europa Feudal: se considerarmos que só após a Revolução Industrial a população urbana ultrapassou a rural, e isso apenas nos países industrializados, qualquer época antes disso teria esta característica. Mas o período feudal em especial está localizado justo entre o declínio das cidades antigas e o Renascimento da vida urbana.

- Velho Oeste: antes ocupado apenas por populações indígenas nômades e semi-nômades (que, portanto, não construíam cidades), o oeste americano foi colonizado quase exclusivamente por atividades rurais: agricultura, pecuária e mineração.

- Pós-Apocalipse: em qualquer tipo de crise generalizada, as cidades grandes costumam ser as primeiras atingidas; principalmente no caso de alguma doença contagiosa, como um outbreak zumbi.

A questão é que espaços amplos e vazios como esses funcionam como uma grande caixa de areia, onde é possível posicionar com facilidade qualquer tipo de desafio para os protagonistas.


Como se já não bastassem a história emocionante e os personagens carismáticos, The Last of Us (2013) tem os melhores cenários pós-apocalípticos que eu já vi


2. Pessoas

Vemos uma baixa presença de seres humanos, e os protagonistas costumam passar grande parte da história sozinhos. Esta característica está muito fortemente relacionada à anterior.

- Europa Feudal: a baixa densidade demográfica é uma característica da época, e as atividades rurais supõem uma dispersão do homem no espaço.

- Velho Oeste: novamente, a relação entre atividades rurais e a baixa quantidade de pessoas.

- Pós-Apocalipse: nenhuma super-crise merece a honra de ser chamada de Apocalipse se não houver uma enorme quantidade de mortos envolvidos. Faz parte.

A ausência de seres humanos é uma ótima desculpa para os protagonistas interagirem mais entre si, desenvolvendo suas relações. Além disso, cada encontro com outras pessoas adquire automaticamente um peso dramático extra.


A falta de opção te faz interagir com cada maluco... (True Grit, 2010)


3. Poder

Ausência parcial ou total de um poder estatal centralizado. Prevalecem os poderes a nível local, as relações privadas de poder, as usurpações, o "olho por olho, dente por dente".

- Europa Feudal: no auge da desintegração do Estado, poder privado era a regra, e até cargos antes públicos (como Rei ou Duque) eram agora mantidos por relações pessoais. Na ausência de Constituição, a Justiça era exercida pelos senhores locais; na ausência de um exército estatal, a força bélica era fragmentada.

- Velho Oeste: o Estado até existia, mas tinha dificuldade em fazer valer sua autoridade nos territórios selvagens da fronteira. Por isso era tão grande a prática dos Caçadores de Recompensas (que, aliás, existem até hoje nos EUA), que faziam o papel de justiça em troca de pagamento.

- Pós-Apocalipse: em um mundo onde a regra é matar ou morrer, milícias e grupos armados  fazem o possível para sobreviver. Se há algum resquício de um Estado forte, ele não se expande às regiões incultas (é o caso de The Last of Us), onde o poder paralelo reina.

Além de eliminar a possibilidade de os protagonistas pedirem ajuda a um poder superior - forçando-os a resolver seus problemas sozinhos - os próprios poderes locais ou paralelos podem constituir desafios terríveis.


O Xerife decidiu que na cidade dele é proibido entrar armado. E a pena por desobedecer é o que ele quiser (Unforgiven, 1992)


4. Violência

A violência é presente, comum e justificada. Além disso, o acesso a armamentos é muito fácil.

- Europa Feudal: em um mundo com piores condições de saúde, as pessoas estavam muito mais habituadas à morte.Além disso, as guerras eram constantes, sazonais. Na realidade, o acesso a armamentos verdadeiros (como espadas) não era tão fácil quanto a ficção representa - mas, num mundo de armas brancas, um arco de caça, uma lança de madeira, um machado de cortar lenha ou um facão de trinchar carne podem ser armamento suficiente.

- Velho Oeste: devido a motivos culturais que remontam à Independência dos EUA, o acesso a armas de fogo era tão fácil que deixa resquícios disso até hoje.

- Pós-Apocalipse: em um mundo sem polícia, você não vai ser preso por carregar uma pistola na cintura. Além disso, pura seleção natural: quem não tem como matar, acaba sendo morto.

Com a fascinação que o ser humano e a indústria do entretenimento têm pela violência, qualquer cenário que facilite isso é promissor.


Eu vou querer uma porção grande de Violência, com uma dose extra de sangue (Braveheart, 1995)


5. Alteridade

A presença de um Outro, alguém que seja essencialmente diferente dos protagonistas.

- Europa Feudal: em um ocidente quase inteiramente cristão, o Outro é o Infiel. Pagãos (como os vikings), muçulmanos, judeus, bruxas e hereges são os inimigos naturais. Caso o cenário seja de Fantasia Medieval, tem sempre os orcs pra matar sem culpa.

- Velho Oeste: o uso do indígena (ou native american) como inimigo desalmado hoje é politicamente incorreto, embora fosse a regra nos westerns mais antigos. Mas o índio ainda pode ser o Outro, o povo misterioso, com suas próprias tradições e magias.

- Pós-Apocalipse: aqui se explica o porquê do Apocalipse Zumbi ser tão popular. Um morto-vivo é um inimigo que pode ser morto e trucidado sem culpa. Além disso, a oposição vivo / não-vivo é um tema forte.

A presença de toda uma raça inimiga (ou mesmo não-inimiga) tão diferente dos protagonistas ajuda a dar identidade a eles próprios. Afinal, nós definimos o Eu em oposição ao Outro.


"Matar um infiel, o Papa disse, não é assassinato. É o caminho para o paraíso." (Kingdom of Heaven, 2005)

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Caso você, leitor, seja um mestre de RPG, faça um experimento: narre uma aventura ou campanha que se passe num dos cenários acima e aborde os conceitos que eu descrevi. Veja se o resultado não será uma experiência de jogo rica e interessante.

Toda essa iconografia western em The Walking Dead (2003~ ou 2010~) parece ainda mais pertinente agora, não?


E aí, consegue pensar em algum outro cenário clássico ao qual essas características se apliquem?