sábado, 19 de janeiro de 2013

Como Planejar uma Aventura de RPG



Existe uma questão que assombra mestres novatos de todo o vasto (talvez não tão vasto) mundo do RPG, e provoca debates, às vezes acirrados, entre os mais experientes. Como planejar uma aventura, de modo a oferecer aos seus jogadores a melhor experiência de jogo possível (e a você uma boa experiência narrativa, claro)?

Há aqueles que abominam qualquer planejamento; defendem um completo improviso, na hora, here and now. Existem ainda aqueles que planejam os mínimos detalhes (ou compram aventuras já prontas), conduzindo seus jogadores através dos trilhos de uma história pré-determinada (muitas vezes até de boa qualidade, mas com pouca interação).

Estes dois grupos não serão contemplados pelo meu texto. A mim sempre pareceu que o mestre deve combinar as duas habilidades: a de planejar e a de improvisar. Se você desconsidera alguma delas e está resignado com sua escolha, eu não posso te ajudar. Se você concorda com minha percepção, mas não sabe como juntar os dois elementos, vem comigo.

Como sempre, é preciso fazer um rápido disclaimer: Preparar e mestrar uma boa aventura de RPG não é fácil. Não pense que basta seguir os passos enumerados a seguir; são necessários dedicação, experiência e a colaboração dos jogadores. Ainda assim, você pode se ver falhando vez ou outra. Tudo bem, acontece. Ou você acha que, só porque eu escrevi esse texto, todas as minhas aventuras são maravilhosas?

Observação: este guia tem caráter apenas de orientação. Dependendo do caso, você pode mudar as etapas de ordem ou até cortar algumas, se julgar necessário.

Mais uma observação: esta estrutura foi elaborada para compreender histórias de teor mais aventuresco, mais clássico aos RPGs, sobretudo de fantasia medieval. Temáticas diferentes (como investigação ou tramas políticas) podem pedir planejamentos diferenciados, embora os princípios gerais se mantenham.

Última (prometo) observação: a fim de ter algo palpável no qual demonstrar as etapas, tomei como exemplo um episódio específico da série animada Avatar: A Lenda de Aang (Avatar: The Last Airbender no original). O episódio em questão se chama The Great Divide (primeira temporada, episódio onze), e o escolhi por diversos motivos. Primeiro, porque Avatar é MUITO BOM. Segundo, porque realmente se encaixa bem na estrutura que eu criei. Terceiro, porque eu estava assistindo justamente esse episódio quando tive a ideia para escrever este texto.

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1) Defina o Tema

Um Tema é uma noção abstrata, a ideia por trás da história. Alguns exemplos incluem: questionamentos morais, diferenças entre pessoas ou povos, oposição entre o bem e o mal, corrupção, superação, crescimento espiritual, etc.

O Tema no episódio é a diferença entre povos e o preconceito gerado por essa diferença.


2) Estabeleça o Conflito Principal

O Conflito Principal funciona como a problemática em um texto dissertativo; é a questão mais concreta, que deve ser resolvida pelos protagonistas durante o decorrer da aventura. O Conflito Principal deve estar intrinsecamente relacionado ao Tema.

Aang, Soka e Katara encontram dois povos que se odeiam, os Zhang e os Gan Jin. Infelizmente, esses inimigos de longa data terão que atravessar juntos um canyon perigoso.


3) Ligue o Conflito Principal aos protagonistas

Em alguns casos, esta etapa se resume a explicar por que os personagens jogadores deverão resolver o Conflito. Em outros, a natureza do conflito está mais profundamente ligada ao grupo de personagens e às suas relações entre si.

No início do episódio, vemos Soka e Katara se desentendendo exatamente da mesma forma (e em parte pelos mesmos motivos) que os Zhang e os Gan Jin. Mais a frente, cada um deles toma partido de um povo.


4) Crie Conflitos Secundários

Os Conflitos Secundários, de importância menor que o Principal, visam conduzir os personagens através da aventura, até que eles sejam capazes de resolver o Conflito Principal. Os combates normalmente estão incluídos nesta categoria. Muitas vezes, os Conflitos Secundários se resumem à sua função narrativa de acrescentar tensão à história. No entanto, uma aventura realmentebem planejada vai usá-los para oferecer aos jogadores os elementos necessários para a resolução do Conflito Principal. Tenha isso em mente.

Apesar de instruções claras do guia do canyon, tanto os Zhang quanto os Gan Jin trouxeram comida escondida. Quando isto é revelado, as acusações começam e o conflito entre os povos atinge seu nível máximo. Mas é interrompido por algo mais urgente: a comida atrai feras perigosas, que começam a atacar todo mundo.


5) Elabore possíveis soluções para o Conflito Principal

O Conflito Principal nunca deve ser resolvido de forma simples, automática ou mecânica, através das habilidades numéricas dos personagens. Este é o momento em que os jogadores devem colocar em prática sua criatividade e seu raciocínio. O Conflito Principal deve ser resolvido através de decisões, não rolagens.

Obviamente, a resolução deve preferencialmente ser elaborada pelos jogadores. No entanto, em alguns casos, sobretudo quando são inexperientes, eles não conseguem ter as ideias necessárias e se sentem perdidos. Neste momento, o mestre tem a obrigação de expor (de forma discreta, se possível) as principais opções disponíveis. O mestre não pode deixar a aventura empacar e os jogadores se sentirem frustrados. Além do mais, que tipo de mestre propõe um problema que nem ele mesmo sabe como resolver?

As feras são muito numerosas e resistentes para serem derrotadas em combate. Aang então resolve a situação de forma criativa: usa a comida para “domar” as criaturas e tirar todo mundo do canyon. Pela primeira vez, os Zhang e os Gan Jin se ajudam mutuamente.
Mas este foi apenas o Conflito Secundário. Assim que se vêem fora do canyon e da situação de perigo, eles voltam a brigar. Aang então usa outra solução criativa (uma mentira) para solucionar o Conflito Principal e estabelecer a paz de uma vez por todas.


6) Distribua as recompensas

Os Conflitos foram apresentados, encarados e resolvidos. Agora é hora dos jogadores receberem algo em troca, certo?
A primeira coisa que eles recebem (caso sejam bem-sucedidos) é o cumprimento do objetivo que eles tinham em mente. A segunda é o aprendizado. Eles tiveram que lidar com uma ideia abstrata (o Tema), e cresceram com ela.
Mas não é só disso que vive um aventureiro profissional, certo? Eles normalmente querem tesouros, e não há problema em dar algum. Mas tome cuidado com o que você vai oferecer. Não role tabelas de itens mágicos aleatórios (aliás, deixe de ser preguiçoso e não role nada aleatório) nem dê itens que são apenas práticos e úteis. Crie tesouros que tenham uma história própria, e relação com o Tema da aventura, com as dificuldades enfrentadas, com o ambiente, etc.

Aang, Katara e Sokka conseguiram cumprir seu objetivo original: atravessaram o canyon e estão mais próximos de seu destino. Além disso, obtiveram uma importante lição de tolerância, de aprender a conviver com as diferenças. Não foi uma recompensa física, mas o aprendizado é o maior tesouro.

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